HUGO, Victor. Do Grotesco e do Sublime. Tradução
do prefácio de Cromwell, tradução e notas de Célia Berrettini. São Paulo: Perspectiva, 2007, 101p.
Saboroso texto, de leitura fácil, profunda e inovadora.
Trata-se do prefácio da obra escrita por Victor Hugo, Cromwell, em 1827, mas
que conquistou espaço independente, como texto, e aponta para a arte na modernidade.
Na verdade foi além, mesmo sendo considerada como obra de referência da
estética romântica, trata da conquista da arte e seu espaço, num mundo hoje
pós-moderno, que flutua entre o sublime e o grotesco. É que, embora Hugo
não mencione isso, o drama mediado pelo sublime e pelo grotesco, tem uma
natureza profética e que, por conta disso, pode ser tido como atemporal.
Seguindo a tradição de encontrar na estética uma linguagem
que extrapolava o sentido, não apenas como caricatura da realidade, e que já
havia sido apontada por Schopenhauer em sua obra mais importante “O Mundo como
Vontade e Representação”, Victor Hugo adiciona à legitimação do discurso
estético o grotesco no sublime, e o sublime no grotesco, como dinâmicas de
construção de uma nova linguagem, e se torna assim referência de leitura para a
compreensão de Bakhtin, “Cultura
Popular na Idade Média: o contexto de François Rabelais”, por exemplo.
Num alcance anterior, a leitura de Decamerão, Boccaccio, ou da Divina Comédia,
de Dante, ou ainda de Dom Quixote, de Cervantes, recebem uma coloração especial
quando se compreende a questão do grotesco e do sublime, o que as torna, como
obras, atemporais.
O grotesco e o sublime, em Victor Hugo, não são opostos que
se excluem, mas acontecem juntos e dão a tônica superlativa que vai além da
simples soma dos dois. Diz Victor Hugo: “Ora, como a poesia se sobrepõe sempre à
sociedade, vamos tentar desvendar, segundo a forma desta, qual deve ter sido o
caráter da outra, nestas grandes idades do mundo: nos tempos primitivos, nos
tempos antigos, nos tempos modernos.” (p. 16). E a estas idades do mundo, a
arte se dá como expressão de modo próprio: “Os tempos primitivos são líricos,
os tempos antigos são épicos, os tempos modernos são dramáticos. A ode canta a
eternidade, a epopeia soleniza a história, o drama pinta a vida. O caráter da
primeira poesia é a ingenuidade, o caráter da segunda é a simplicidade, o
caráter da terceira, a verdade.” (p. 40)
Sua visão da “antropologia” poética transita do colossal à
humanidade. Nos tempos primitivos, as personagens são colossais, como Adão, Caim,
Noé. Na epopeia são gigantes, como Aquiles, Atreu e Orestes. Nos tempos
modernos são homens, como Hamlet, Macbeth e Otelo. (p.41) Nas três idades,
primeiro a sociedade canta o sonho, depois narra o que faz e finalmente, nos
tempos modernos, pinta o que pensa. (p.42)
Pouco adiante, Hugo diz que no dia quando o cristianismo deu
ao ser humano a condição de duplicidade, entre o perecível e a imortalidade,
criou-se o drama. E completa: “A poesia nascida do cristianismo, a poesia de
nosso tempo é, pois, o drama; o caráter do drama é o real; o real resulta da
combinação bem natural de dois tipos, o sublime e o grotesco, que se cruzam no
drama, como se cruzam na vida e na criação”. (p. 46). No grotesco, a fera
humana, no sublime, a alma. (p.47). “É, pois, o grotesco uma das supremas
belezas do drama. Não é só uma conveniência sua; é frequentemente uma
necessidade” (p. 50).
Então, para Hugo, a arte não é uma caricatura do real, mas a
sua liberação, projeção e questionamento. É a ampliação do real e da
objetividade, possui um conteúdo próprio pois estabelece o ponto de ruptura
entre o possível e o imaginável. “A arte não conta com a mediocridade. Não lhe
prescreve nada; não a conhece; a mediocridade não existe para ela. A arte dá
asas e não muletas.” (p. 63). Por conta disso, as teorias que aprisionam a
arte, que determinam o que é ou não poesia, servem apenas como um engessamento
ou tapumes. Mascaram a fachada da arte. (p. 64). “Assim, a finalidade da arte é
quase divina: ressuscitar, se trata da história; criar, se trata da poesia.”
(p.69)
O drama, nos tempos modernos, onde o humano se dá como
pintura, e também no qual o grotesco e o sublime, fera e alma, se encontram, é
assim definido por Hugo: “Se tivéssemos o direito de dizer qual poderia ser, em
nosso gosto, o estilo do drama, quereríamos um verso livre, franco, leal, que
ousasse tudo dizer sem hipocrisia, tudo exprimir sem rebuscamento e passasse
com um movimento natural da comédia à tragédia, do sublime ao grotesco;
alternadamente positivo e poético, ao mesmo tempo artístico e inspirado,
profundo e repentino, amplo e verdadeiro; que soubesse quebrar a propósito e
deslocar a cesura para disfarçar sua monotonia de alexandrino; mais amigo do enjambement que o alonga que da inversão
que o embaraça; fiel à rima, esta escrava da rainha”. (p. 77).
O texto é genial e merece ser lido por inteiro, caso o
leitor assim tenha o desejo. Pode ser encontrado em PDF.
Boa leitura!
Natanael Gabriel da Silva
parabéns pelo trabalho, aborda com clareza o foco do texto, já havia lido do grotesco ao sublime, no entanto depois de visitar o seu blog pude tirar algumas dúvidas de alguns pontos que tinham ficado obscuros na minha primeira leitura.
ResponderExcluirPoderia disponibilizar o PDF por favor?
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